segunda-feira, 23 de junho de 2014

Como a ingestão excessiva da manteiga pode contribuir para aterosclerose

 O colesterol deriva do anel orgânico ciclopentanofenantreno. Além de ser o esteróide mais abundante dos tecidos animais, o colesterol serve de precursor à síntese de todos os outros esteroídes, que incluem hormônios esterídicos (hormônios sexuais e do córtex adrenal), sais biliares e vitamina D. Há, ainda, função estrutural importante nas membranas de células animais, sendo determinante nas características da sua fluidez. Apesar de exercer funções essenciais, o colesterol está fortemente relacionada à doenças cardiovasculares como a aterosclerose.
  Aterosclerose caracteriza-se pela deposição de lipídios - especialmente colesterol e ésteres de colesterol- na parede interna das artérias, formando placas (ateromas). A consistência inicial dos ateromas é pastosa, podendo evoluir para placas fibrosas e calcificadas. Estas lesões determinam um estreitamento de artérias e desencadeiam a formação de coágulos, que podem levar à sua obstrução. Isso gerará uma série de efeitos em cadeia: o fluxo de sangue é bloqueado, o aporte de oxigênio é interrompido, a produção de energia pela via aeróbica cessa e os tecidos se necrosam.

  Devido ao colesterol ser encontrado apenas em tecidos animais e ser ausente em vegetais, acreditava-se que uma maior ingestão de produtos animais, como a manteiga, em relação a produtos vegetais, como a margarina, provocava aumento do colesterol plasmática, como resultado da ingestão aumentada de colesterol. No entanto, o nível plasmático de colesterol é muito pouco influenciado pelo teor de colesterol da dieta, devido à existência de uma via eficiente de síntese endógena, cuja velocidade é adaptada à quantidade de colesterol absorvido no intestino; podendo o indivíduo, inclusive, prescindir de colesterol exógeno. Na verdade, a ocorrência de aterosclerose estava muito mais relacionada aos níveis elevados do colesterol intracelular e LDL (lipoproteína de baixa densidade), redução nos níveis do colesterol HDL (lipoproteína de alta densidade) e aumento dos níveis de triglicérideos (apesar de ainda não ter sido devidamente esclarecida essa última relação).
  A relação entre as duas lipoproteínas transportadoras de colesterol e a aterosclerose deve-se a suas funções antagônicas: LDL fornece colesterol aos tecidos e HDL remove o excesso de colesterol da célula para o fígado. Daí eles serem chamados de "mau" e "bom" colesterol, respectivamente, apesar de a molécula de colesterol ser a mesma.

  A relação do alto nível de colesterol intracelular com a doença é explicada pela consequente inibição da síntese de receptores de LDL na membrana das células. Sendo assim,  tem-se a diminuição no aporte de colesterol para as células e um consequente aumento da sua concentração plasmática, ocasionando sua deposição nos vasos.
  Os níveis elevados de colesterol total e de LDL, bem como HDL baixo, caracterizam pacientes de alto risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. O significado da hipertrigliceridemia (elevados níveis de triglicerídeos, principalmente, gorduras saturadas, abundantes nas manteigas) no desenvolvimento, porém, ainda não está bem esclarecido. Como muitas lipoproteínas transportam tanto lipídios como colesterol, os triglicérides elevados estariam associados a alterações metabólicas pró-aterogênicas e fisiológicas como o aumento de LDL, baixos níveis de HDL e aumento dos níveis de moléculas pró-coagulantes. Além disso, níveis elevados de triglicérides em jejum predizem anormalidades no metabolismo pós-prandial (pós refeição) das lipoproteínas, que se associam com o aumento de risco cardiovascular.

  Uma alimentação adequada, sobretudo com baixo teor de gorduras saturadas, perda de peso para os portadores de sobrepeso ou obesidade, bem com atividade física regular reduzem o risco para aterosclerose e, seguramente, fazem parte do tratamento dos portadores dessa doença. Naqueles indivíduos que não atingem as metas de lípides apenas com modificações comportamentais, o uso continuado de drogas hipolipemiantes, que reduzem os lípideos, ou seja, colesterol e triglicérides, é prática indispensável.

Referências:

http://www.endocrino.org.br/dislipidemia-e-aterosclerose/
http://www.rbconline.org.br/artigo/triglicerideos-e-doenca-arterial-coronariana/
MARZZOCO, Anita; TORRES, Bayardo Baptista. Bioquímica Basica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999,

sábado, 14 de junho de 2014

Gorduras trans: as grandes vilãs da margarina




A fabricação da primeira margarina foi fruto de um concurso instituído em 1869 por Napoleão III (1808-1873). Naquela época, a França estava afogada em uma complicada crise econômica e carente de vários gêneros alimentícios. A manteiga tornou-se tão escassa que o governo resolveu desafiar os cientistas a encontrar uma substituta que pudesse ser consumida pelas forças armadas e as classes sociais mais baixas. O vencedor foi o químico Hipollyte Mergé-Mouriès (foto preto de branco) , com uma mistura de emulsão à base de sebo de boi, úbere de vaca (a glândula da vaca que produz o leite) e leite desnatado, ganhando um tom perolizado - daí o nome, que vem do grego margaron, ou "brancura de pérola". Em 1871, a patente foi vendida para uma companhia holandesa que viria a se tornar a Unilever. O sucesso foi tão grande que, mesmo após a crise financeira, a margarina tornou-se mais popular que a manteiga.
  Com o desenvolvimento do processo de hidrogenação de óleos na primeira metade do Século XX, a "gordura" vegetal hidrogenada passou a substituir o sebo na formulação das margarinas. É interessante salientar que essa substituição ocorreu tanto por questões econômicas quanto por ser a gordura vegetal hidrogenada considerada à época mais saudável que o sebo bovino, devido à ausência de colesterol. Assim, a partir da segunda metade do Século XX o processo industrial de produção da margarina é realizado por reações de hidrogenação (adição de hidrogênio) com óleos vegetais (triacilglicerídeos insaturados), acrescidos de flavorizantes, pigmentos, estabilizadores, antioxidantes, preservativos e conservantes químicos. 
Esses óleos são líquidos em razão da presença de muitas insaturações em suas longas cadeias carbônicas. Porém, com a reação de hidrogenação catalítica, essas ligações duplas são quebradas e transformadas em ligações simples. Isso causa a transformação do óleo em gordura semissólida, isto é, com a consistência mais pastosa, como a da margarina. A reação de hidrogenação é catalisada por algum metal doador de elétrons, como o níquel (Ni), platina (Pt) e paládio (Pd). Em geral, na adsorsão do hidrogênio elétrons desemparelhados na superfície metálica formam ligações químicas com o hidrogênio e quebram a ligação hidrogênio-hidrogênio. A colisão de uma molécula de óleo com a superfície do catalisador vizinho ao hidrogênio adsorvido causa adsorção do mesmo. A transferência do átomo de hidrogênio ao triacilglicerídeo  é a etapa determinante do processo. 
No entanto, nas últimas décadas o uso da hidrogenação para se produzir gorduras vegetais na indústria de alimentos tem sido cada vez mais questionada. O problema associado à hidrogenação é que nas condições de reação, ocorre a reação paralela de isomerização de ligações duplas, ou seja, parte dos isômeros cis é convertida em isômeros trans. Esta reação acontece porque, termodinamicamente, os isômeros trans são mais estáveis. Apesar de dar mais consistência a produtos, melhorando sua textura, deixando-os mais crocantes, e conservando-os por mais tempo, as restrições que se tem feito em relação à gordura trans decorrem dos problemas de saúde que vem sendo associado ao seu consumo, principalmente às doenças cardiovasculares.
 Inicialmente, deve-se considerar que as gorduras trans são absorvidas no organismo de forma cis, mas não tem papel algum com ácido graxo essencial no organismo, já que possuímos enzimas apenas para configuração trans. Depois de ingerida, a gordura trans tem efeito hipercolesterolêmico, uma vez que eleva o colesterol total, gerando principalmente, doenças coronárias. Isso ocorre porque a gordura trans diminui os níveis de HDL que leva gordura dos vasos para o fígado. E, antagonicamente, aumenta os níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), chamada popularmente de colesterol ruim. Parte da LDL-c é metabolizada no fígado e utilizada para construção de membranas celulares, mas o excesso de de colesterol no sangue dificulta a captação dessa lipoproteína pela célula, então ela oxida e se deposita nas paredes do sistema circulatório, dando origem a doenças cardiovasculares, como a aterosclerose. Estudos mostraram que um aumento de 20% na ingestão de gordura trans acarreta um aumenta de 1 na razão LDL-c/ HDL-c, o que eleva os riscos de doenças cardiovasculares em 53%.  
E ainda um "aumenta a obesidade abdominal e o processo inflamatório no organismo e há um risco maior de desenvolvimento de diabetes", alerta o cardiologista Raul Dias dos Santos Filho, consultor do Centro de Medicina Preventiva Einstein. Isso tudo pode predispor a um risco muito grande de aterosclerose. "Por isso é muito importante haver a conscientização da população para não consumir esses alimentos", completa o médico. Também há evidências na literatura científica de que o consumo excessivo de gordura trans pode estar relacionado à maior incidência de câncer de mama. Esses produtos não são inertes, ou seja, interagem com os diversos sistemas biológicos e podem desempenhar importante efeito deletério na saúde humana.
Devido aos problemas de saúde descritos anteriormente, cada vez mais se tem uma preocupação com a ingestão de alimentos ricos em gordura trans, o que levou a ANVISA a tornar obrigatória a divulgação dos teores dessa gordura nos rótulos de alimentos a partir de 2003 Resolução ANVISA RDC- 360 de 2003). Estão isentos de declarar a composição nutricional os seguintes alimentos: bebidas alcoólicas, especiarias (canela, cominho etc.), águas minerais e demais águas envasadas; vinagres; sal, café, erva-mate, chá sem adição de outros ingredientes; alimentos preparados e embalados em restaurantes e estabelecimentos comerciais; produtos prontos para o consumo, como sobremesas, musses, pudins, saladas de frutas; produtos fracionados nos pontos-de-venda a varejo comercializados como pré-medidos como queijo, presunto e salame fatiados; frutas, vegetais e carnes in natura refrigerados ou congelados. Por isso, deve-se verificar os ingredientes no rótulo: se constar gordura vegetal hidrogenada, conclui-se que a trans está presente no alimento. Todos os produtos certificados com o Selo de Aprovação SBC e Selo de Recomendação SBC são isentos de gordura trans. 

Referencias:
http://www.einstein.br/einstein-saude/nutricao/Paginas/gordura-trans-mal-a-ser-evitado.aspx
http://www.uff.br/RVQ/index.php/rvq/article/viewFile/436/302
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-surgiu-a-margarina
http://sistemas.eel.usp.br/docentes/arquivos/1285870/58/HidrogenacaoEDesidrogenacao.pdf
http://www.alunosonline.com.br/quimica/origem-margarina-reacoes-hidrogenacao.html
http://alimentandoadiscussao.com/2013/10/11/a-farsa-da-margarina/
http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/4/58.pdf