sábado, 14 de junho de 2014

Gorduras trans: as grandes vilãs da margarina




A fabricação da primeira margarina foi fruto de um concurso instituído em 1869 por Napoleão III (1808-1873). Naquela época, a França estava afogada em uma complicada crise econômica e carente de vários gêneros alimentícios. A manteiga tornou-se tão escassa que o governo resolveu desafiar os cientistas a encontrar uma substituta que pudesse ser consumida pelas forças armadas e as classes sociais mais baixas. O vencedor foi o químico Hipollyte Mergé-Mouriès (foto preto de branco) , com uma mistura de emulsão à base de sebo de boi, úbere de vaca (a glândula da vaca que produz o leite) e leite desnatado, ganhando um tom perolizado - daí o nome, que vem do grego margaron, ou "brancura de pérola". Em 1871, a patente foi vendida para uma companhia holandesa que viria a se tornar a Unilever. O sucesso foi tão grande que, mesmo após a crise financeira, a margarina tornou-se mais popular que a manteiga.
  Com o desenvolvimento do processo de hidrogenação de óleos na primeira metade do Século XX, a "gordura" vegetal hidrogenada passou a substituir o sebo na formulação das margarinas. É interessante salientar que essa substituição ocorreu tanto por questões econômicas quanto por ser a gordura vegetal hidrogenada considerada à época mais saudável que o sebo bovino, devido à ausência de colesterol. Assim, a partir da segunda metade do Século XX o processo industrial de produção da margarina é realizado por reações de hidrogenação (adição de hidrogênio) com óleos vegetais (triacilglicerídeos insaturados), acrescidos de flavorizantes, pigmentos, estabilizadores, antioxidantes, preservativos e conservantes químicos. 
Esses óleos são líquidos em razão da presença de muitas insaturações em suas longas cadeias carbônicas. Porém, com a reação de hidrogenação catalítica, essas ligações duplas são quebradas e transformadas em ligações simples. Isso causa a transformação do óleo em gordura semissólida, isto é, com a consistência mais pastosa, como a da margarina. A reação de hidrogenação é catalisada por algum metal doador de elétrons, como o níquel (Ni), platina (Pt) e paládio (Pd). Em geral, na adsorsão do hidrogênio elétrons desemparelhados na superfície metálica formam ligações químicas com o hidrogênio e quebram a ligação hidrogênio-hidrogênio. A colisão de uma molécula de óleo com a superfície do catalisador vizinho ao hidrogênio adsorvido causa adsorção do mesmo. A transferência do átomo de hidrogênio ao triacilglicerídeo  é a etapa determinante do processo. 
No entanto, nas últimas décadas o uso da hidrogenação para se produzir gorduras vegetais na indústria de alimentos tem sido cada vez mais questionada. O problema associado à hidrogenação é que nas condições de reação, ocorre a reação paralela de isomerização de ligações duplas, ou seja, parte dos isômeros cis é convertida em isômeros trans. Esta reação acontece porque, termodinamicamente, os isômeros trans são mais estáveis. Apesar de dar mais consistência a produtos, melhorando sua textura, deixando-os mais crocantes, e conservando-os por mais tempo, as restrições que se tem feito em relação à gordura trans decorrem dos problemas de saúde que vem sendo associado ao seu consumo, principalmente às doenças cardiovasculares.
 Inicialmente, deve-se considerar que as gorduras trans são absorvidas no organismo de forma cis, mas não tem papel algum com ácido graxo essencial no organismo, já que possuímos enzimas apenas para configuração trans. Depois de ingerida, a gordura trans tem efeito hipercolesterolêmico, uma vez que eleva o colesterol total, gerando principalmente, doenças coronárias. Isso ocorre porque a gordura trans diminui os níveis de HDL que leva gordura dos vasos para o fígado. E, antagonicamente, aumenta os níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), chamada popularmente de colesterol ruim. Parte da LDL-c é metabolizada no fígado e utilizada para construção de membranas celulares, mas o excesso de de colesterol no sangue dificulta a captação dessa lipoproteína pela célula, então ela oxida e se deposita nas paredes do sistema circulatório, dando origem a doenças cardiovasculares, como a aterosclerose. Estudos mostraram que um aumento de 20% na ingestão de gordura trans acarreta um aumenta de 1 na razão LDL-c/ HDL-c, o que eleva os riscos de doenças cardiovasculares em 53%.  
E ainda um "aumenta a obesidade abdominal e o processo inflamatório no organismo e há um risco maior de desenvolvimento de diabetes", alerta o cardiologista Raul Dias dos Santos Filho, consultor do Centro de Medicina Preventiva Einstein. Isso tudo pode predispor a um risco muito grande de aterosclerose. "Por isso é muito importante haver a conscientização da população para não consumir esses alimentos", completa o médico. Também há evidências na literatura científica de que o consumo excessivo de gordura trans pode estar relacionado à maior incidência de câncer de mama. Esses produtos não são inertes, ou seja, interagem com os diversos sistemas biológicos e podem desempenhar importante efeito deletério na saúde humana.
Devido aos problemas de saúde descritos anteriormente, cada vez mais se tem uma preocupação com a ingestão de alimentos ricos em gordura trans, o que levou a ANVISA a tornar obrigatória a divulgação dos teores dessa gordura nos rótulos de alimentos a partir de 2003 Resolução ANVISA RDC- 360 de 2003). Estão isentos de declarar a composição nutricional os seguintes alimentos: bebidas alcoólicas, especiarias (canela, cominho etc.), águas minerais e demais águas envasadas; vinagres; sal, café, erva-mate, chá sem adição de outros ingredientes; alimentos preparados e embalados em restaurantes e estabelecimentos comerciais; produtos prontos para o consumo, como sobremesas, musses, pudins, saladas de frutas; produtos fracionados nos pontos-de-venda a varejo comercializados como pré-medidos como queijo, presunto e salame fatiados; frutas, vegetais e carnes in natura refrigerados ou congelados. Por isso, deve-se verificar os ingredientes no rótulo: se constar gordura vegetal hidrogenada, conclui-se que a trans está presente no alimento. Todos os produtos certificados com o Selo de Aprovação SBC e Selo de Recomendação SBC são isentos de gordura trans. 

Referencias:
http://www.einstein.br/einstein-saude/nutricao/Paginas/gordura-trans-mal-a-ser-evitado.aspx
http://www.uff.br/RVQ/index.php/rvq/article/viewFile/436/302
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-surgiu-a-margarina
http://sistemas.eel.usp.br/docentes/arquivos/1285870/58/HidrogenacaoEDesidrogenacao.pdf
http://www.alunosonline.com.br/quimica/origem-margarina-reacoes-hidrogenacao.html
http://alimentandoadiscussao.com/2013/10/11/a-farsa-da-margarina/
http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/4/58.pdf

7 comentários:

  1. Os lipídios podem ser saturados(gorduras) ou insaturados(óleos). No caso dos óleos, as insaturações diminuem os pontos de fusão do lipídio e eles são geralmente líquidos à temperatura ambiente. Entretanto, as insaturações encontradas em óleos naturais sempre são do tipo cis. Assim, um alimento com gorduras trans está sempre associado a um processo artificial. As gorduras trans são atribuídas a alguns alimentos para dar um efeito crocante e, se em excesso são altamente prejudiciais. Juntando-se ao fato de que a ingestão em excesso de gorduras saturadas está ligada a desenvolvimento de aterosclerose, percebe-se que para o caso da ingestão de lipídios, a moderação é sempre o caminho mais correto.

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  2. Vale lembrar que o uso dos trans possui características benéficas para a indústria de vendas. As gorduras trans tornam o alimento mais atrativo(dourado e crocante) e conseguem aumentar o prazo de validade do alimento. Portanto, esses seriam motivos que tornariam difícil a retirada dos trans nos alimentos, pois a indústria alimentícia teria que procurar substituir essa gordura e haveria muita oposição para isso. No entanto, faz-se necessário pressionar as indústrias para a diminuição do uso dos trans em virtude dos problemas mostrados na postagem. Uma possível substituição para a gordura trans seria o uso do óleo de palma, que conserva algumas propriedades da gordura trans - aumento do prazo de validade e crocância - sendo menos nocivo para o organismo.

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  3. As gorduras trans são um tipo especial de lipídeos, que ao invés de ter uma configuração cis, possui a trans, ocorrido devido ao processo de hidrogenação. Ela pode ocorrer naturalmente em alimentos provenientes de animais ruminantes, que possuem bactérias que fazem essa hidrogenação. Mas os níveis são tão pequenos que não causam problemas a saúde, o grande vilão é os produtos industrializados. Como citado no post, o excesso pode causar elevação do LDL, "o colesterol ruim", que pode causar problemas cardiovasculares. Vários países possuem legislações rígidas que proíbam ou diminua o uso dessas gorduras, no Brasil, é preciso indicar nos rótulos das embalagens a quantidade de gorduras trans, não devendo consumir mais de 2g por dia. O maior problema é falta de informação por parte grande da população, é necessário campanhas que informem essas pessoas, para que se evite problemas futuros em saúde.

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  4. Mesmo os produtos sendo obrigados por lei a ter em seu rótulo se apresentam ou não gorduras trans, a grande maioria da população não sabe o que isso significa, e acaba ingerindo margarina, bem como outros alimentos, acreditando que está fazendo o melhor pra sua saúde. A maior parte dos brasileiros -sem escolaridade- aprendeu pelo senso comum que gordura vegetal é melhor que a animal, portanto margarina é melhor que manteiga, mas não sabem que há a ingestão de gorduras ainda pior que as saturadas, no caso as gorduras trans. Acredito que além de informar no rótulo dos produtos se há ou não gorduras trans, deveria ser explicada para a população o que essa gordura significa e o que ela pode causar ao organismo.

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  5. As gorduras trans fazem-se presentes tanto na manteiga e na margarina e são gorduras insaturadas que sofrem um processo de hidrogenação das gorduras vegetais (quando os líquidos em temperatura ambiente passam para a forma sólida ou semissólida), além de serem as responsáveis por dar mais consistência a produtos, melhorando sua textura, deixando-os mais crocantes, e conservando-os por mais tempo. Ambas, margarina e manteiga, portanto, se ingeridas excessivamente causarão danos ao organismo.

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  6. A Organização Mundial da Saúde recomenda que a ingestão de gordura trans não ultrapasse 2g por dia. Por isso, a leitura dos rótulos dos alimentos é importante, uma vez que a Anvisa determinou que as empresas especifiquem nos rótulos o teor de gordura trans de seus produtos.

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  7. Apesar das gorduras trans, alguns nutricionistas acham que a margarina é ainda assim melhor que a manteiga, já que possui menos gorduras saturadas. Atualmente, o processo de produção da margarina já não passa pela fase de hidrogenação na maioria das marcas e por isso não contém gorduras trans. Por outro lado, de acordo com a legislação em vigor, a manteiga pode receber além de sal vários outros componentes como aditivo alimentar tal qual a margarina. Ambos os produtos alimentícios são os que mais aditivos recebem, dentre os quais corantes, espessantes, emulsificantes, flavorizantes, acidulantes, umectantes, aromatizantes e estabilizantes, porém também recebe vitaminas e gorduras boas ao organismo, como a ômega 3.

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